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Não quero falar, sou tímido

Há sentimentos que são naturais, automáticos do ser humano, como a ligação de afeto que uma mãe tem com seu filho para protegê-lo e, assim, garantir a sobrevivência da espécie. Será que se pode dizer que a timidez é um deles? De acordo com algumas linhas de pensamento, sim, a timidez é um traço de personalidade tão natural quanto outros, mas há quem discorde e prefira avaliar a timidez como um distúrbio emocional. Nesse caso, ela seria decorrente de problemas de sociabilidade acumulados e que levam ao medo excessivo de exposição e à dificuldade de estabelecer relações interpessoais eficientes.

Psicólogo avalia a timidez como um processo psicológico construído socialmente ou, até mesmo, como traço natural.

O psicólogo Getúlio Coelho de Medeiros, que trabalha na área há onze anos e atende há três na Pró-reitoria de Assistência Estudantil (PROAE), da UFJF, percebe o tema como um processo psicológico oriundo de uma construção social, ou uma característica natural. Ou, ainda, uma junção de ambas.

Muitas pessoas apresentam traços de timidez apenas em alguns momentos. Há quem seja tímido apenas com a família, ou com estranhos, ou em sala de aula na hora de apresentar trabalhos, conversar com professores e tirar dúvidas. Isso depende, segundo Getúlio, de como cada pessoa interpretará os estímulos que vêm de cada ambiente.

Para o psicólogo, “a personalidade se forma numa construção, é um processo, não é algo que se dá de uma forma ou de outra”. Quando questionado sobre a afirmação de que um jovem adulto tímido foi, necessariamente, uma criança tímida, ele diz ser possível perceber esse traço no desenvolvimento da criança para a idade adulta. Contudo, depende, também, das situações que esse adulto vivencia, pois o indivíduo está sempre em processo formação.

Estudante do 8º período de Educação Física, Melinda Sundré, 22, conta que tem muita dificuldade em se expor na sala de aula. "Tenho pavor de apresentar trabalhos. Uma vez até chorei ao falar durante uma apresentação na disciplina de Natação." Ela diz que é "bastante tímida para articular com palavras" e que só é assim, principalmente, pela presença do professor. Contudo, observa que não tem dificuldades em se expressar corporalmente e já liderou turmas de dança em academias sem inibição.

"O tímido cria uma outra dimensão que, muitas vezes, não condiz com a realidade", avalia Getúlio. Ele explica que essa construção fantasiosa deve-se a pensamentos disfuncionais, a crenças criadas. “Ele acha que está sendo julgado e condenado, mas, na maioria das vezes, não está.”

Lucas Justen, 19, é tímido perante a família. "Tenho a sensação de não poder ser quem eu sou." Foto: cedida de acervo pessoal.

Lucas Justen, 19, estudante do 3º período de Publicidade, conta que é tímido principalmente com a família. “Tenho a sensação de não poder ser quem eu sou.” Além disso, sempre deixa de esclarecer questões em sala de aula, porque fica muito nervoso e acha que será motivo de risos. Ele desdobra que já sofreu bullying e isso contribuiu para sua parcela de timidez.

Vale destacar, como lembra Medeiros. que em alguns casos a timidez pode ser apenas um traço de personalidade, portanto, nem sempre será um incômodo. Ela só deve ser tratada como problema se a pessoa que a sinta, assim considerar.

Em muitos casos, percebe-se a importância que se dá ao julgamento alheio e isso vem da necessidade de aceitação pela sociedade. Nem sempre as questões estão só no âmbito individual, a organização social tem um histórico-cultural baseado em aparências, em enquadramentos e vigilância. Portanto, o trabalho para lidar com a timidez deve contar com abordagem elaborada, mesmo que seja em relação ao psicológico de cada um.

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