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CiÊncia

Religião

Real e Transcendente

Âncora 1
Âncora 2

O Real estuda o mistério

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Alexander Moreira Almeida, professor de psiquiatria e semiologia da faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, criador e coordenador do  Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes), acredita nessa concepção. Ele não encara religião e ciência como ideias opostas.

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O professor sempre se interessou por espiritualidade e durante seus estudos no campo da saúde passou a considerar que se poderia pensar uma através da outra. “Por que não usar a ciência para entender a espiritualidade humana?”

O psiquiatra dirigiu seus estudos para a compreensão da espiritualidade da graduação até o doutorado, tendo publicações notórias no meio científico. Hoje é coordenador das seções de relação entre espiritualidade, religião e saúde mental da Associação Brasileira de Psiquiatria e da World Psychiatric Association, organização internacional de psiquiatria.

 

“Tem-se comumente a ideia da narrativa simplificadora, do eterno conflito. Porém atualmente sabemos que o que se aplica melhor é a teoria da complexidade. O modo de interação entre ciência e religião não é uma constante, ela se dá de várias formas.”

Alexander ainda destaca: “Grandes pensadores como Platão e Sócrates trabalharam com aspectos de ciência, filosofia e fé. A universidade inglesa de Oxford, conhecida atualmente como a melhor do mundo, foi criada pela Igreja tendo inclusive como lema a frase em latim ‘Dominus Illuminatio Mea’, que significa  ‘O Senhor é minha luz’.” E acrescenta: “A Igreja foi uma das grandes propagadoras de conhecimento científico, filosófico e, claro, também religioso, apoiando por exemplo a astronomia.”

 

O professor comenta também que muitos cientistas tinham suas crenças religiosas e que, para alguns deles, a teoria do evolucionismo não era uma negação ao criacionismo, mas a descoberta da maneira como Deus havia criado as espécies. “Para eles estudar a criação era um modo de compreender melhor o seu criador.”

 

Devido a seu interesse na área, em 2006 Alexander criou o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde, o Nupes, na UFJF, que realiza estudos sobre como a religião pode afetar na saúde de seus praticantes. O grupo promove pesquisas interdisciplinares, tendo membros da área da medicina, filosofia, história, psicologia, enfermagem  e outras. O psiquiatra vê de maneira positiva a recepção do meio científico à iniciativa. “Tocar nesses temas gera muitas discussões. Há muitas pessoas querendo falar sobre esse assunto, mas há pouco espaço. É considerado um tabu. Então abrir esse espaço instiga o interesse. Somos no geral bem aceitos e temos conseguido apoio para nossas pesquisas.”

 “Quando alguma coisa nova é revelada sobre o genoma, experimento um sentimento maravilhoso de satisfação ao perceber que a humanidade agora sabe alguma coisa que só Deus sabia antes.” Francis Collins (biólogo molecular)

Transcender, sem esquecer do que há sob os pés

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Em setembro de 1998 o Papa João Paulo II publicou a carta encíclica denominada em latim “Fides et Ratio” - em protuguês, “Fé e Razão” -, em que constata que é necessária a união das duas para que se possa chegar a respostas. “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva à contemplação da verdade.”

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É com essa frase da encíclica que o padre Cássio Barbosa de Castro, da Paróquia Cristo Rei de Juiz de Fora, inicia sua fala sobre religião e ciência. “O Papa João Paulo II quer dizer que se queremos alçar altos voos precisamos das duas. Minha fé sem embasamento racional é muito ingênua. Mas a ciência e seus questionamentos sem a fé nos deixa em abismos sem respostas.”

Para o padre Cássio, o conflito entre essas duas ideias já foi de certo modo superado. “Ao longo da história, com as grandes descobertas científicas, nós fomos percebendo que é possível caminhar juntos. Não são dois discursos ou dois diálogos opostos. Mas um complementa o outro.”

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O padre avalia que, mesmo que os dois fundamentos não se misturem, um não determina o início do outro, mas pode motivar um ao outro. “O Papa João Paulo II era filósofo, ele dizia que a fé não começa onde termina a razão, pois o mistério é o pressuposto para se conhecer alguma coisa.” E ainda completa: “Sempre haverá o mistério, aquilo que a razão não consegue explicar, e até mesmo a fé se dobra, sem respostas.”

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Imagem retirada do Instagram oficial do Papa Francisco

Padre Cássio ainda afirma que a espiritualidade tem mudado através do tempo. “Temos que vestir o ser humano com uma espiritualidade que se adeque ao mundo e às suas realidades. Dalai Lama vai dizer que é como se fosse um tecido sendo moldado ao corpo da pessoa. Não é a pessoa que é moldada pelo tecido.” E continua: “As coisas mudam aquilo que era espiritualidade há 100 anos, hoje já não é a mesma coisa. Precisamos acompanhar o novos tempos, as descobertas científicas e pensar em nossa fé dentro desse lugar.”

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E acompanhando esses novos tempos, o Papa Francisco, em um evento na Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano, em 2014, afirmou que a teoria do Big Bang e da Evolução não necessariamente se opõem à existência de Deus. “Quando lemos no Gênesis sobre a criação, corremos o risco de imaginar que Deus tenha agido como um mago, com uma varinha mágica capaz de criar todas as coisas. Mas não é assim. Deus criou os humanos e permitiu que se desenvolvessem seguindo leis internas que deu a cada um para que alcançassem sua realização.”

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Padre Cássio concorda com o Papa. “Por que não pensar que Deus é o ser por trás do Big Bag? Não é ele o motor imóvel segundo Aristóteles?” O padre, mestre em teologia e história, acredita que, quando fé e ciência não se excluem, podem em conjunto ajudar a esclarecer, quando até não solucionar vários dos questionamentos humanos. “O homem que tem fé consegue ver mais longe, e a ciência o auxilia a se compreender melhor. As duas caminhando juntas podem fazer um trabalho interessante.”

“Não espero que a religião seja capaz de sequenciar o genoma humano, da mesma forma que não espero que a ciência me revele o conhecimento do sobrenatural. Mas para questões que são de grande relevância e interesse, como ‘por que existimos?’ ou ‘por que o homem busca a espiritualidade?’, acho que a ciência deixa a desejar. Muitas superstições surgiram e com o tempo desapareceram. A fé permanece viva, o que sugere que ela se baseia em realidade.” Francis Collins (biólogo molecular)

As outras asas da fé

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O espiritismo desde sua origem se viu como uma espécie de ciência filosófica moral, que tinha como uma de suas funções buscar dar conta de explicar a espiritualidade humana, realizar um estudo da alma.

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No “Livro dos Espíritos”, o codificador do espiritismo, Allan Kardec, falava do espaço ocupado pela doutrina diante da ciência. “As ciências repousam sobre as propriedades da matéria que se pode experimentar e manipular à vontade; os fenômenos espíritas repousam sobre a ação de inteligências que têm a sua própria vontade e nos provam a cada instante que elas não estão à disposição dos nossos caprichos.”

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Dilva Sabbadini, diretora do departamento mediúnico do Centro Espírita São Francisco de Assis, da cidade de Bicas, explica que o espiritismo é dividido em três aspectos: ciência, filosofia e religião. “Muito além de ser apenas uma crença espiritual, ele se coloca como uma maneira de se encarar a vida. Ciência porque a pesquisa é constante dentro da doutrina, estudamos e buscamos comprovações de nossas crenças. Filosofia porque buscamos entender, refletimos, questionamos sobre nossa relação entre nós e o mundo, ela determina um modo de vida. E religião devido às questões humanas relacionadas que vão de encontro ao transcendente.”

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Deusa Santos, coordenadora do Centro Espírita São Francisco de Assis, comenta que o espiritismo não nega as teorias científicas, mas tem como principal ponto divergente a ideia da ciência de acreditar apenas no material. “A ciência só aceita aquilo que é capaz de provar, só acredita na materialidade. Se ela não consegue provar, ela rejeita. Na doutrina espírita buscamos maneiras de tentar explicar isso, outros caminhos. Não negamos simplesmente.” E por ter essa visão o espiritismo acredita que a ciência ainda tem muito que evoluir em seus estudos. “A ciência engatinha por se prender ao material apenas.”

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Mas o espiritismo tem traços de diálogo com a ciência, segundo Mas o espiritismo tem traços de diálogo com a ciência, segundo Delma Reis, divulgadora doutrinária do Centro Espírita São Francisco de Assis. “Nós temos nosso lado científico mesmo, e nele há uma parte religiosa. Temos, assim como na ciência, um interesse por pesquisas, estudos e aprimoramentos de nossos conhecimentos, mas em relação ao transcendente e espiritual.”

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O budismo também se aproxima dessa visão, ele não nega nenhuma das ideias desenvolvidas pela ciência. É o que diz Bianca Sodré responsável pela divisão feminina de jovens da Associação Brasil SGI (Soka Gakkai Internacional), BSGI. “O Budismo existe a milênios e não é contra os fundamentos científicos, mas busca ir além do que a ciência enxerga. Procura entender  nossa mente e promover uma mudança interior.”

Ciência e religião sempre irão guardar suas particularidades e percepções de mundo. Mas não precisam ser tratados como incompatíveis. O historiador britânico John Brooke, especializado na relação entre ambas, descreve em seu livro “Ciência e Religião” a sutileza dessa relação através da história, afirmando que ela é definida pela complexidade. Para ele o que determina as divergências está para além das concepções abstratas das duas ideias, mas possui muito mais influências ligadas à sociedade e políticas das épocas. “A maneira pela qual o relacionamento entre afirmações científicas e religiosas tem sido percebida no passado tem dependido de circunstâncias políticas e sociais que o historiador não pode ignorar”, escreve.

 

O cientista da religião, Emerson Silveira, coloca que religião e ciência são linguagens muito específicas e distintas em sua natureza. Não há como uma falar pela outra tendo em vista que elas se referem a campos diferentes. “São duas grandes estruturas que possuem linguagens diferentes. As escrituras têm sua forma particular de falar sobre a vida, uma maneira poética que não é  possível transpor para a forma científica, assim como não é possível transpor a maneira científica para a linguagem religiosa.”

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 “ … a verdade científica e a revelação: são duas coisas que tratam de espaços diferentes. Uma trata da realidade da vida, a outra trata do transcendental.” Carlos Chagas Filho presidente da Academia Brasileira de Ciências e da Pontifícia Academia de Ciências.

DOis OLHArES

UMA visão

Passado de velhos conflitos. Presente de novas perspectivas
Por Cristiane Turnes

Referências

 

Livros:

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“Livro dos Espíritos”, Allan Kardec

“Ciência e Religião”, John Brooke

 

Sites:

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Revista Despertai! online

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Mundo estranho

 

Sempre família

 

Aleteia

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Estadão

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Instagram oficial do Papa Francisco

Falar de ciência e religião normalmente denota polêmica e a lembrança de serem maneiras de pensar conflitantes. Mas talvez essa perspectiva mereça um olhar mais cuidadoso e amplo. As duas alternam entre pontos de encontro e passos divergentes. Porém o que as separa é mais comumente recordado. Como tratar desse assunto e não lembrar de Galileu Galilei, defensor da teoria do heliocentrismo, segundo a qual a Terra girava em torno do Sol, não o contrário, como se acreditava na época?

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É uma das histórias mais famosas envolvendo as duas linhas de pensamentos e talvez o grande fomento para a formação da “rivalidade” criada em torno delas, senão um símbolo desse conflito. O marco da ciência moderna de certo modo definiu também a maneira de encarar esses dois fundamentos e contribuiu para uma visão da religião como percalço do desenvolvimento da ciência. Mas, ao contrário disso, muitas pesquisas científicas foram desenvolvidas dentro do âmbito da religião.

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Os monastérios foram os primeiros a armazenar a história e o conhecimento humano desenvolvido em manuscritos. As primeiras escolas no modelo que usamos hoje foram criadas por instituições de caridade católicas, no século XII na Europa. As crianças eram catequizadas e ensinadas a ler, escrever e contar. Por muito tempo o conhecimento mais especializado era monopolizado pelo clero. Muito em vista disso a proximidade entre os cientistas e a religião. Galileu Galilei tinha uma relação próxima ao Papa, que apesar de tê-lo condenado a prisão domiciliar pela sua defesa da teoria heliocentrista, era um grande admirador de seu trabalho. Nicolau Copérnico, desenvolvedor da teoria causadora dessa discórdia, era cônego da Igreja Católica. O biólogo e botânico Gregor Mendel, criador da base da teoria genética, era monge agostiniano.

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É verdade que o passo dado pelos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles na Grécia Antiga dividiu o modo de pensar. A busca pela racionalidade e distanciamento do mítico desenvolveu perspectivas bastante distintas, mas isso não significa que sejam completamente divergentes, que precisem se negar. É possível haver pontes e diálogo entre elas.

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Questionamentos humanos

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O ser humano é um ser questionador por natureza e busca à sua maneira entender e explicar o mundo ao seu redor. Tanto a religião como a ciência foram desenvolvidas exatamente nessa tentativa de obter respostas. Cada uma a seu modo procura dar conta de solucionar os porquês sobre a vida e o homem. Uma mais ligada ao que se pode ver, passivo de provas, e a outra mais ligada aos mistérios, aquilo que vai além do que vemos.

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O professor do departamento de ciência da religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, Emerson Silveira, trabalha com a ideia de linguagem. Para ele, a ciência seria a linguagem crítica do real. “É uma forma de conhecimento baseada na realidade, que busca analisar, investigar a nossa realidade.” Enquanto a religião é a linguagem do transcendente. “Ela fala além do natural, é uma maneira poética, que procura mostrar que existem outras forças e energias. Ela acredita que a realidade não se esgota nela mesma, ela está para além de outras potências.”

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Para Emerson, os conflitos estão majoritariamente ligados à falta de entendimento mútuo. “O conflito decorre muitas vezes da incompreensão entre cientistas e religiosos que querem entender domínios distintos, com linguagens diferentes: a poética-moral e a racional-científica". E completa: “Elas podem não ser convergentes, mas não são necessariamente divergentes”.

“A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega.” Albert Einstein (físico)

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Apesar de não acreditar em um deus pessoal ou se identificar com alguma religião específica, Einstein acreditava que deveria haver algum tipo de inteligência superior por trás da criação do mundo.

 

“O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um vasto oceano. O arranjo maravilhoso e a harmonia do universo não poderiam senão sair de um ser onisciente e onipotente.” Isaac Newton (astrônomo, fundador da física teórica clássica)

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“Ciência e religião são duas janelas por onde as pessoas perscrutam a imensidão do Universo.” Freeman Dyson (físico).

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